Estude enquanto eles dormem
Restam pouco mais de 5 meses até o Enem e eu tenho atendido uma quantidade preocupante de vestibulandos com a mesma nóia de tentar estudar 57 horas por dia.
A título de exemplo, na semana passada eu atendi uma moça que estudava das 8 da manhã até às 10 da noite, que é a hora que seu cursinho fecha. Assim que saía do cursinho, ela corria para casa e continuava estudando até sabe-se lá que horas da madrugada.
Você pode pensar que ela me procurou porque se sentia muito cansada ou porque não conseguia se desligar dos estudos e estava preocupada com isso…
Na verdade, a sua principal queixa era (pasme):
que as suas amigas estavam tendo resultados consideravelmente melhores, ainda que ela estudasse consideravelmente mais que todas elas.
Lembro de ter respondido a essa sua queixa com um contundente “Óbvio” e uma risada levemente irônica, que a colocou num espaço entre a raiva e a incredulidade.
“Por que óbvio? Não tem sentido nenhum!”, ela me perguntou com uma genuína expressão de confusão.
Ela não entendia. Sua cabeça tinha uma ideia muito rígida de que
quanto mais tempo ela estudasse, melhores seriam seus resultados.
Mas, isso não é necessariamente verdade. Essa ideia é uma simplificação ansiosa e reducionista do processo de aprendizagem.
Vou te mostrar:
O tempo de estudo é somente um elemento desse processo. É importante, mas não é tudo.
A coisa mais comum no universo dos vestibulares é uma penca de estudante que estuda muito, mas estuda mal. Tem quantidade, mas não tem qualidade.
De que adianta “estudar” 12 horas por dia se você rende metade disso? Você seria mais justo consigo mesmo se admitisse que passa 6 horas estudando e 6 horas se enganando.
Quantidade = Tempo
A *quantidade* de estudo é determinada pelo tempo. O tempo é dividido entre bruto e líquido.
O estudo bruto é o total de horas que você passa sentado à mesa.
O líquido, o total de horas que você rende de verdade.
Obviamente, o estudo líquido não pode ser maior que o bruto. Via de regra, o tempo que você rende de verdade é ligeiramente menor que o tempo que você passa sentado à mesa.
Esse tempo (que você rende de verdade) tende a diminuir proporcionalmente de acordo com o aumento do tempo que você passa sentado à mesa. Explico:
Se você tem um estudo bruto de 6 horas por dia, é possível que você aproveite, suponhamos, 95% desse tempo (algo em torno de 5 horas e 40 minutos). Mas, se você estuda 12 horas por dia, aproveitar 95% desse tempo é praticamente inviável (principalmente se você não utiliza os métodos certos, mas essa é outra conversa), visto que:
Seu cérebro não é uma máquina
Estudar exige uma atividade sináptica intensa. Os neurônios se comunicam a toda velocidade, liberam neurotransmissores, consomem glicose, oxigênio, regulam íons… É o metabolismo neural vivão e vivendo.
Com o tempo, as reações que acontecem no interior da sua cabeça vão deixando subprodutos. A neurociência chama esses subprodutos de lixo proteico: resíduos deixados pelo metabolismo neural, que desregulam a comunicação neuronal, causam estresse oxidativo nas células e, principalmente, geram fadiga mental.
Imagine seus neurônios descascando várias bananas para comer e largando os pedaços inúteis das cascas na rua. Aos poucos, os bueiros começam a entupir e o tráfego nas avenidas vai sendo obstruído. É mais ou menos isso.
O lado bom é que seu cérebro não é menino. Ele bagunça, mas dá conta de arrumar também. Ele sabe colocar ordem na casa e restabelecer a atividade das vias. Há apenas uma condição:
“Não é menino” = Não é ingênuo, aqui na Paraíba.
Que você pare de sujar quando ele começar a limpar.
Os “mecanismos de arrumação” do cérebro só Funcionam corretamente quando você para de estudar, de modo mais particular quando você está dormindo ou descansando.
É sobretudo quando você está dormindo que um líquido remove os resíduos metabólicos do seu cérebro. Esse líquido se chama “cefalorraquidiano” e atua como um caminhão do lixo neural.
Não é o intuito desta carta entrar nesse tema agora, portanto vamos nos contentar com o simples:
Se você não dorme direito, o lixo proteico se acumula, aumentando o cansaço mental. Isso piora quando, ainda por cima, você não descansa da maneira adequada e não tem pausas estratégicas entre sessões de estudo.
O cansaço acumulado sutilmente começa a drenar suas capacidades cognitivas, como um sanguessuga escondido por trás da sua cabeça. Você não o vê, não percebe seus danos, mas ele está lá, sugando pouco a pouco seu rendimento.
Com o tempo, sua concentração, sua capacidade atencional, seu controle de impulsos, sua memorização… tudo está operando a 50% do rendimento porque as vias neurais estão congestionadas.
E o pior de tudo:
Você nem percebe, porque se acostumou com isso e porque está preocupado somente com as *12 horas de estudo* das quais precisa.
Esse é um dos motivos para tantos vestibulandos estudarem muitas horas e não serem aprovados. Eles estudam muito, mas rendem pouco.
Se a *quantidade* de estudo é o único critério para a aprovação, como você explica
as pessoas que passam direto do ensino médio, mesmo competindo com pessoas que (realmente) estudam há anos?
Ou pessoas que estudam 6 horas por dia sendo aprovadas, quando há aqueles que estudam 10 ou 12?
Ou ainda o caso da minha paciente, que tem resultados menores que as amigas mesmo estudando por muito mais tempo?
O sucesso no vestibular não é uma realidade matemática, onde vence quem tem um número maior de horas estudadas.
A gente sabe que não é tão simples assim.
A Qualidade é tão importante quanto a Quantidade
Vimos que somente a quantidade não basta.
Vimos inclusive que quando você se apega demais à quantidade ela pode ser um vilão nos seus resultados.
Sendo assim, um estudo realmente eficaz precisa também de qualidade.
Entretanto, como essa carta está mais longa do que eu gostaria, eu vou te mostrar, em uma imagem, os elementos que sustentam a qualidade do estudo:
Poderíamos chamar essa imagem de Pirâmide do Aprendizado. (Você pode ver que essa não é a tradicional pirâmide de Glasser [ler, ouvir, ensinar etc.], que aliás nem foi criada por Glasser).
A “Pirâmide do Aprendizado” condensa, em ordem hierárquica, aquilo que é necessário para um estudo de qualidade.
Note por exemplo que o sono está na base da Figura. (A essa altura, eu não preciso te explicar o porquê, certo?).
Ao mesmo tempo, a técnica de estudos está no topo, pois, sem os outros elementos, ela perde completamente sua utilidade.
Não adianta utilizar um Pomodoro, uma técnica Feymman ou uma Recuperação Ativa se você está desmotivado, ansioso e com o sono todo cagado.
Cada um dos pontos da pirâmide é como um pilar da estrutura de um prédio. Nesse caso, eles servem como sustentação para que o seu cérebro opere na sua máxima capacidade.
É claro que nós poderíamos entrar extensamente na explicação de cada ponto, mas a carta pareceria um pergaminho e provavelmente você não leria tudo.
Por ora, lembre-se apenas o seguinte:
O ideal seria que você articulasse a quantidade de estudo com a qualidade do estudo.
Você precisa encontrar um ponto de equilíbrio onde você consegue estudar o máximo possível com o maior rendimento possível.
A partir do momento em que você encontrar esse ponto, utilize ele como eixo: gire seus estudos em torno dele, ainda que você passe um pouco ou não o alcance às vezes.
Lembre-se também que a qualidade do estudo é determinada por elementos que envolvem técnica, mentalidade e saúde.
Para render mais, você precisa desenvolver sua capacidade de estudar, mas também precisa cuidar de você e da sua cabeça.
Por último, eu gostaria de dizer que pretendo expandir mais essa temática nas próximas cartas, mas…
Se você tiver alguma sugestão de recorte ou se houver algo que te chamou atenção e você gostaria que eu escrevesse sobre, me avisa nos comentários ou manda uma mensagem no meu privado, beleza?
Até a próxima carta!
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